Sunday, May 28, 2006

O outono de um terrorista moderado

Do repórter Gideon Levy, no principal jornalão liberal israelense:

"Israel has already missed the Abu Mazen train and he is now the Palestinian Shimon Peres: It's pleasant to talk to him but what he says no longer has much influence or significance."(1)

Em tempo: o Ha'aretz(2) é a melhor opção de jornal para saber a respeito do conflito Israel-Palestina, por ser menos afinado com o governo de milicos de Eretz Israel e seus ideais do que os concorrentes, The Jerusalem Post(3) e o Yedioth Ahronoth(4). Pelos poucos artigos que li traduzidos, o Maariv também é equilibrado; online, só há versão em hebraico.

(1) "Game theory", Ha'aretz, 14/5/2006, em http://www.haaretz.com/hasen/spages/715444.html
(2) http://www.haaretz.com/
(3) http://www.jpost.com/
(4) http://www.ynetnews.com/

Thursday, May 25, 2006

Profissão de fé

Do filósofo afro-estadunidense Tracy Marrow:

Freedom of Speech, let'em take it from me
Next they'll take it from you,
then what you gonna do?
Let'em censor books, let'em censor art
(...) this is where the witch hunt starts.
You'll censor what we see, we read, we hear, we learn...
The books will burn.
You better think it out,
we should be able to say anything,
our lungs were meant to shout.
Say what we feel, yell out what's real,
even though it may not bring mass appeal.
Your opinion is yours, my opinion is mine.
If you don't like what I'm sayin', fine.
But don't close it, always keep an open mind.
A man who fails to listen is blind.
We only got one right left in the world today,
let me have it or throw The Constitution away.


Faço saber aos eventuais leitores que tive o cuidado de selecionar, na obra máxima deste pensador em estado bruto, a única estrofe (entre as quatro que compõe a canção) que não possuía as palavras bitch, fuck, shit ou algum de seus derivativos.

Três gerações de banditismo

Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe da facção criminosa autodenominada Primeiro Comando da Capital (PCC), virou celebridade e impressiona os psicólogos que o entrevistam por ser uma raridade no meio da bandidagem: apesar de criminoso desde os 9 anos, mantém-se "autodeterminado, lúcido e assertivo"(1). Trata-se de um espécime tão singular que, no mundo dos vivos, encontra-se hoje em dia apenas mais uns dois, possivelmente.

Um deles é William da Silva Lima, o Professor, assaltante de bancos e ideólogo da antiga Falange Vermelha, que originou a primeira facção criminosa organizada do País, o Comando Vermelho. O outro, Luis Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, traficante que de chefe de uma boca de fumo na favela de Caxias que lhe emprestou o apelido chegou ao posto de principal ligação com os cartéis colombianos, essenciais para a obtenção de cocaína de qualidade.

Analisando-os em conjunto, percebe-se uma espécie corrente evolutiva da bandidagem brasileira pós-golpe de 1964. Até então, os bandidos brasileiros eram os românticos das décadas de 1920 e 1930, como o gatuno italiano Gino Amleto Meneghetti, que invadia casas pulando pelos telhados, mas não usava arma, e os terríveis facínoras dos anos 1950, que atendiam por apelidos pitorescos como Coisa Ruim, Praga de Mãe e Tião Medonho.

Acusados de uma aproximação que verdadeiramente não tiveram com os presos políticos – na Ilha Grande, os militantes pediram e conseguiram que fosse erguido um muro para separá-los(2) –, os fundadores da Falange Vermelha, comandados por Professor, representaram a primeira vertente politizada do crime organizado brasileiro.

Admitiam ser transgressores da lei, exercitavam a violência com seletividade (para punir os excessos dos subordinados, geralmente, e acertar as contas com rivais) e exigiam dos poderes constituídos um tratamento condizente. Ou seja, isolamento da sociedade mediante o encarceramento, vá lá; tortura e condições insalubres de vida (superlotação das celas e comida podre, por exemplo), nem pensar.

Com a bandeira da "Paz, Justiça e Liberdade" para os bandidos, o CV deixou a Ilha Grande, onde nasceu em 1979, na rebelião contra a arquinimiga Falange Jacaré - que mais tarde daria lugar ao rival Terceiro Comando. Ganhou as favelas do Rio realizando pequenas e médias benfeitorias para os moradores, em troca do apoio contra a polícia, da mesma forma que os mafiosi sicilianos, nos primórdios, se defendiam das autoridades de Roma.

Faltou repassar devidamente a ideologia aos jovens viciados em cocaína que sucederam os patronos do CV, e a facção rapidamente descambou para a mercantilização radical do tráfico de drogas, atividade clandestina transnacional de alta lucratividade. Foi nesse panorama que surgiu Fernandinho Beira-Mar, que aproveitou os contatos de seu principal fornecedor, Leomar de Oliveira Barbosa, o Leozinho, para subir os degraus da escada corporativa do tráfico e se tornar inicialmente fornecedor de ambas as facções, sem distinção. Desta maneira, alcançou fama internacional(3), sendo apelidado pela mídia americana de "Freddy Seashore".

A conversão de Beira-Mar ao Comando Vermelho foi estritamente business, nada a ver com fatores filosóficos. Seu maior rival na primazia dos contatos com os colombianos era o chefe do Terceiro Comando Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê. Em 1994, ao assassinar Orlando da Conceição, o Orlando Jogador, chefe do tráfico no Complexo do Alemão, Uê enfureceu a ala juvenil do CV e chegou a provocar um racha (surgiu um CV "Jovem", mais cruel e marketeiro) que só anos depois foi sanado.

Sua execução na rebelião de 11 de Setembro de 2002, em Bangu, atendeu portanto aos interesses comerciais de Beira-Mar e ao senso de justiça de Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, sucessor de Orlando Jogador. Uma vez concretizada, a vingança tornou o menino pobre de Caxias o símbolo do traficante capitalista brasileiro.

Ao mesmo tempo em que resgata a tradição "politizada" herdada do Comando Vermelho, no qual o PCC foi confessadamente inspirado, Marcola tem uma vantagem sobre o Professor: na época em que os bandidos começaram a se organizar, o Estado detinha o monopólio da violência em larga escala. Décadas de investimento em armamento pesado depois, por parte dos bandidos, e de um combate difuso e essencialmente reativo por parte dos governos, as posições se inverteram.

Estimulados pelo espírito de revanche contra os esquadrões da morte das polícias, os traficantes agora são o martelo, e os favelados, a bigorna. Nós, coitados, estamos no meio.


(1) "O homem que parou São Paulo", por Lourival Sant'Anna, O Estado de São Paulo, 21/5/2006.
(2) AMORIM, Carlos. "CV-PCC: A Irmandade do Crime", Editora Record, 2003. LIMA, William da Silva. "Quatrocentos contra um: uma história do Comando Vermelho", Labortexto, 2001.
(3) International Narcotics Control Strategy 2001, disponível em http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2001/rpt/8476.htm

Wednesday, May 24, 2006

Melhor amigo do homem

Você chega em casa e lá está ele, abanando o rabo, pronto para te receber. Você senta no sofá, liga a TV e lá está ele, deitado, acompanhando o programa sem reclamar, nem que seja a reprise daquele jogão entre Ferroviário X Ipatinga. Você abre a sua cerveja, e ele... fica a ver latinhas.

Se a cena lhe é familiar, fique tranqüilo. Você poderá fazer do seu cachorro um companheiro de copo com a nova Happy Tail Ale, a primeira cerveja para o público canino do mundo(1). Produzida pela Dog Brewing Star Company, a cerveja para cachorros foi desenvolvida a partir de testes com o Akita de estimação da empresa, chamado Kodiak Bear (Urso Kodiak).

A ausência de álcool pode tirar 96,7% da graça de ver o seu cachorro beber uma cerveja, mas pelo menos você não vai ser importunado pela Sociedade Protetora dos Animais (Suipa). Aprovado por Kodi, a cerveja canina está sendo comercializada em pelo menos 27 endereços eletrônicos, encontrados no site da empresa. A tradicional six-pack (pacote com seis garrafas long neck) custa US$ 9,99, mais taxas de envio.

O lançamento revolucionário já apareceu em jornais, TVs e rádios americanas, e no blog Oddly Enough, da Reuters(2).

(1) Dog Brewing Star Company, em http://www.beerfordogs.com/index.html
(2) Oddly Enough, por Robert Basler, em http://blogs.reuters.com/category/themes/oddly-enough/

Consultor de RH

Democrata texano com vocações militaristas, o deputado Charlie Wilson recebeu certa vez a visita do então diretor da CIA (1981-1987), William Joseph Casey, em seu escritório em Washington(1). Maravilhado, o espião-chefe dos EUA não resistiu e teceu comentário sobre a beleza das assistentes do parlamentar. Disse-lhe Wilson:

– Bill, é possível ensiná-las a datilografar, mas não a ter seios bonitos.


(1) BEARDEN, Milton, e RISEN, James. "O Grande Inimigo - A História Secreta do Confronto Final entre CIA e KGB (The Main Enemy: The Inside Story of the Story of the CIA's Final Showdown with the KGB)", Editora Objetiva, 2003.

Tuesday, May 23, 2006

Déjà vu

Parece escrito para o Brasil do mensalão, mas é um tango argentino de 1934:

CAMBALACHE
(Enrique Santos Discépolo)

Que el mundo fue y será una porquería
ya lo sé...
(¡En el quinientos seis
y en el dos mil también!).
Que siempre ha habido chorros,
maquiavelos y estafaos,
contentos y amargaos,
valores y dublé...
Pero que el siglo veinte
es un despliegue
de maldá insolente,
ya no hay quien lo niegue.
Vivimos revolcaos
en un merengue
y en un mismo lodo
todos manoseaos...

¡Hoy resulta que es lo mismo
ser derecho que traidor!...
¡Ignorante, sabio o chorro,
generoso o estafador!
¡Todo es igual!
¡Nada es mejor!
¡Lo mismo un burro
que un gran profesor!
No hay aplazaos
ni escalafón,
los inmorales
nos han igualao.
Si uno vive en la impostura
y otro roba en su ambición,
¡da lo mismo que sea cura,
colchonero, rey de bastos,
caradura o polizón!...

¡Qué falta de respeto, qué atropello
a la razón!
¡Cualquiera es un señor!
¡Cualquiera es un ladrón!
Mezclao con Stavisky va Don Bosco
y "La Mignón",
Don Chicho y Napoleón,
Carnera y San Martín...
Igual que en la vidriera irrespetuosa
de los cambalaches
se ha mezclao la vida,
y herida por un sable sin remaches
ves llorar la Biblia
contra un calefón...

¡Siglo veinte, cambalache
problemático y febril!...
El que no llora no mama
y el que no afana es un gil!
¡Dale nomás!
¡Dale que va!
¡Que allá en el horno
nos vamo a encontrar!
¡No pienses más,
sentate a un lao,
que a nadie importa
si naciste honrao!
Es lo mismo el que labura
noche y día como un buey,
que el que vive de los otros,
que el que mata, que el que cura
o está fuera de la ley...

Delicatessen Bogotá - Temos delivery

Agentes da Polícia Federal prenderam o nigeriano Eke Donatus Maduegbuna, de 33 anos, tentando embarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim com oito quilos de cocaína pura escondida em sete pacotes de bombons.

Desde as balas Van Melle, nenhuma guloseima mais é acima de qualquer suspeita...

Sunday, May 21, 2006

Voz da razão

O papa da semiótica e da comunicação de massas, Umberto Eco, recusou encontro com o autor de O Código de Da Vinci, Dan Brown, para o qual foi convidado pela cidade natal do inventor "homenageado" no best-seller mais falcatrua das últimas décadas, afirma O Globo Online(1), citando o jornal diário italiano La Reppublica. Disse ainda que o americano é um "farsante que divulga informações falsas".

Só por ter escrito "Apocalípticos & Integrados", já admirava o cidadão desde a faculdade. Depois dessa, então, subiu muito no meu conceito. Pesquisando por aí, descobri um artigo(2) em que Eco desanca as tais "verdades ocultadas pela Igreja Católica" apregoadas por Brown para conferir alguma credibilidade ao seu embuste. Seu primeiro argumento é a utilização da cascata de Pierre Plantard sobre o Priorado de Sião, e a linhagem Merovíngia.

Esse aspecto da mentirada de Brown foi o tema central de um ensaio que escrevi começo de 2005 - quando decidi mover uma campanha informal e solitária contra o livro e todos os seus derivados - intitulado "O Código da Fraude". Resume-se, com todas as provas provadas possíveis e imagináveis, ao seguinte:

O Priorado de Sião não é nenhuma ordem milenar. Foi criado em 1956 por um francês meio doido, filho de uma cozinheira e um mordomo, que nutria aspirações à realeza e à divindade - não necessariamente nessa mesma ordem. Com a ajuda de um escritor de aluguel (Gérard De Sède) e um falsificador amador (Phillipe de Chérisey), Plantard criou "documentos" que confirmariam seus desvarios, e plantou-os na Biblioteca de Paris. Para evitar que fosse colocando-os em cofre particular, como ocorre nos bancos.

Plantard tirou a fábula do tesouro do abade Berenger Saunière de uma outra falsificação, esta propagada pelo comprador da tal Villa Bethanie, Noël Corbu, que queria fazer uma propaganda do local onde havia aberto um restaurante. Que golpe de marketing melhor do que um mistério secular? A verdade, no entanto, era bem mais embaraçosa: Saunière fez fortuna vendendo a celebração de missas que não realizava.

A história é bem conhecida na Europa, tendo sido explorada pelos jornalistas René Descadeillas e Jean-Luc Chaumeil. Em 1993, o próprio Plantard teve de confessar, na presença do magistrado francês Thierry Jean-Pierre, que tudo não passava de uma farsa. Na rede, duas boas fontes de informação (que muito bem me serviram, aliás), foram os sites do português Bernardo Sanchez da Motta(3) e o americano Paul Smith(4).

(1) "Eco recusa encontro com Dan Brown e o chama de farsante", em http://oglobo.globo.com/online/cultura/plantao/2006/05/20/247333967.asp
(2) "O êxito do Código da Vinci", em http://revistaentrelivros.uol.com.br/Edicoes/6/Artigo10980-1.asp
(3) "Rennes-le-Château e o Priorado de Sião", em http://bmotta.planetaclix.pt/
(4) Paul Smith Priory of Sion Webpage, em http://priory-of-sion.com/

Friday, May 19, 2006

O mundo dá voltas

Nos idos de 1987, o ator Patrick Dempsey precisava alugar namorada por um conjuntinho de camurça de 1 mil dólares (quem nunca viu "Namorada de Aluguel/Can't buy me love" na Sessão da Tarde?). Quase 20 anos depois, renasce das cinzas como o neurocirurgião desejado pela mulherada de "Grey's Anatomy", seriado exibido pelo Canal Sony. Nada mal.

Inspiração religiosa

O doutor Cláudio Lembo (governador de São Paulo e sósia do sr. Burns, de Os Simpsons, nas horas vagas), abraçou o lógica do bispo que, em 1209, exortou os cruzados do Papa Inocêncio XII a chacinar os hereges cátaros.

"Matem todos, Deus reconhecerá os seus".

Representantes da Polícia Militar do Estado que Lembo herdou do sr. Alckmin anunciaram que haveria uma matança de bandidos, em represália aos ataques dos bandidos. Como promessa é dívida, a matança foi perpetrada, em vários locais, nos dias subseqüentes. Alcançou o número de mortos do massacre do Carandiru.

Exaurida - ou quase - a fúria vingativa dos valorosos pê-emes, o Governo do Estado afirma que não vai divulgar os nomes dos mortos depois que abrir os inquéritos para investigar os crimes cometidos por eles (1).

Trata-se de uma reedição/atualização da surrada tática do "atire primeiro e pergunte depois".

Considerando que um dos princípios da investigação é dar ao acusado o direito ao contraditório, valeria perguntar que inquéritos serão esses. Alguém vai tomar depoimento dos cadáveres (muitos dos quais, aliás, serão enterrados apressadamente como indigentes)?

Em tempo: Lembo é "Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e também Professor Titular de Direito Constitucional", segundo o site do Governo do Estado (2), e seu secretário de Segurança Pública, doutor Saulo de Castro Abreu Filho, é mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), onde foi professor, e atuou ainda como promotor de Justiça (3).

Pegaria mal alegar que desconhecem esses trâmites burocráticos do Direito - diferentemente de nós, pobres leigos.

(1) "Uma lista de 107 mortos sem nomes", de Flávio Freire, disponível em http://oglobo.globo.com/jornal/pais/247243597.asp
(2) http://www.saopaulo.sp.gov.br/linha/gabinete_vice.htm
(3) http://www.saopaulo.sp.gov.br/linha/sec_segpubl.htm