Sunday, June 25, 2006

Os gentis-homens de Camelot

Enlouquecido de tesão pela dama Igraine, o rei Uther da Bretanha declarou guerra ao duque de Tintagil, marido dela. O confronto resultou na morte de algumas centenas, talvez milhares de homens, e só foi encerrado porque o rei utilizou-se da magia de Merlin para se disfarçar como duque e finalmente traçar a lady jogo-duro.

Nove meses depois nasceu uma criança que foi entregue por Uther a Merlin como parte do acordo que possibilitou a fornicação. O mago, por sua vez, repassou a criança a um casal da corte, que batizou-o Artur. Anos mais tarde, Artur tirou uma espada de uma pedra e descobriu que era herdeiro do trono da Inglaterra.

Por ser bastardo e ainda por cima um moleque imberbe, demorou a ser reconhecido como legítimo soberano pela nobreza inglesa. Seus primeiros anos de “governo” foram gastos aniquilando os onze reis vizinhos que se opunham mais ferozmente. Pelas contas do próprio Artur, 45 mil morreram nessa guerra.

Além de filho de Uther, Artur era rei por suas elevadas qualidades morais cristãs. Seu pecado mais grave foi comer a própria irmã, Morgana, a Fada, com a atenuante de que desconhecia o parentesco. Tudo bem que na época ela era esposa de um de seus inimigos, o rei Uriens, mas isso também é detalhe.

Quando Merlin avisou-lhe que aquele que o destruiria nasceria em maio, ordenou que todas as crianças nascidas naquele mês fossem tiradas de seus pais e embarcadas num navio, que por acaso naufragou. Entre as crianças, estava seu filho incestuoso, Mordred, milagrosamente salvo do acidente.

O rei vivia acompanhado, como se sabe, dos mais nobres cavaleiros da Bretanha.

Um exemplo era seu primo sir Balin le Saveage, que degolou a Dama do Lago, ex-guardiã da Excalibur, bem na frente de Artur – que pouco ou quase nada fez para puni-lo. Acabou morrendo ao duelar com o irmão, Balan, que também não resistiu aos ferimentos sofridos no confronto. Como de costume, o parentesco entre eles não era sabido; os dois não se reconheceram no campo de batalha.

Houve também sir Pellinore, rei das Ilhas Orkney, que estuprou a esposa de um humilde criador de gado. E que, durante as festividades do casamento de Artur com a dama Guinever, ignorou os pedidos de socorro de sua filha, Aline, em nome de seu amado, sir Miles de Launds, ferido de morte pelo falso cavaleiro Loraine le Savage.

Por sua negligência, o quase-futuro genro, sir Miles, morreu. Aline cometeu suicídio. Novamente – e convenientemente –, os parentescos só foram revelados depois da desgraça. Sir Pellinore ainda revelava familiaridade com o nepotismo, ao dar uma mãozinha para que seu filho bastardo, sir Tor (a criança gerada do estupro no começo do parágrafo anterior) fosse sagrado cavaleiro antes de sir Badgemagus, que tinha mais tempo de casa.

Artur representa, para os bretões, a epítome do monarca cristão, conforme registrado nas crônicas de “A morte de Artur”, de sir Thomas Malory. Não é a toa. Afinal, o rei “instituiu todos os seus cavaleiros, dando-lhes riquezas e terras, e encarregando-os de jamais operarem afrontosamente, nem assassinarem, e fugirem sempre à traição; e também de modo algum serem cruéis, mas concederem misericórdia a quem a pedisse, sob pena de perderem sua honra e soberania do Rei Artur para sempre; e sempre prestarem socorro às damas, donzelas ou senhoras e jamais violentá-las, sob pena de morte. E que nenhum homem participasse em contendas erradas, nem por amor, nem por qualquer bem mundano” (1).

Isso, no entanto, só no capítulo XV do livro III.


(1) MALORY, Thomas. “A morte de Artur”, Editora Thot, 1987.

Wednesday, June 21, 2006

Lei do retorno

Corroída por dívidas provocadas por anos de má gestão e falcatruas, debatendo-se como afogada no processo judicial de recuperação que pode resultar na decretação de falência, a Varig agora terá suas linhas fatiadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) entre a concorrentes Tam, Gol e BRA. Dividirão a carcaça obedecendo à lei da selva aplicada aos negócios; a mais forte fica com o melhor naco.

Teve melhor sorte que a companhia aérea que canibalizou para expandir suas atividades, a Panair do Brasil. Menos de um ano depois do Golpe de 1º de Abril de 64, despacho assinado pelo então ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Eduardo Gomes, cortou as asas da empresa. Curioso que no imaginário popular formatado pelos jornalões, a Panair tenha simplesmente "ido à falência".

Que os colegas de teclado tenham ganas de praticar um pouquinho de revisionismo jornalístico, vá lá, mas brigar com os fatos é feio. Entre as aéreas brasileiras, a Panair era a que menos devia ao governo, e sua situação estava longe de "insustentável" como alegava o documento do glorioso patrono das nossas forças aéreas, bastião da democracia entre os milicos.

A cassação da licença da Panair para voar foi a manobra dos militares para detonar dois desafetos importantes - os empresários Celso da Rocha Miranda, amigo de JK, e Mário Wallace Simonsen, amigo de Jango - e dar uma colher de chá para o conterrâneo gaúcho Ruben Berta. Horas depois do despacho de Gomes, o presidente da Varig orgulhosamente garantia que tinha os aviões necessários para cumprir as rotas para Europa e Oriente Médio.

Os donos da Panair bem que tentaram, judicialmente, mostrar que havia jeito para salvar a companhia. Em vão. Na briga nos tribunais, só não valeu dedo no olho. Como os militares tinham o Judiciário nas mãos, não foi difícil arranjar magistrados dispostos a ignorar todos os argumentos em favor da empresa e sepultar logo aquele processo enfadonho.

O caso é relatado em detalhes pelo jornalista paulista Daniel Leb Sasaki, em "Pouso Forçado: a verdadeira história da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar", Editora Record, 2005.

Karma is a bitch, como dizem os estadunidenses.

Tuesday, June 06, 2006

Pormenorizando a farra

Em sua edição de junho/06, a respeitável revista Nossa História traz entrevista de quatro páginas com o decano do jornal O Estado de São Paulo, Ruy Mesquita. Lá pelas tantas, reclamando da pressão exercida pelo ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci sobre o jornal, que estava na iminência de publicar a entrevista do caseiro Francenildo Costa, Mesquita declara o seguinte:

"Aí, ele brigou mesmo. O Palocci me ligou no domingo de tarde para dizer que ia sair uma entrevista assim, asssado e me pedindo para impedir, porque era tudo mentira. Eu respondi: 'A única coisa que eu te prometo é que ela não saia amanhã. Primeiro, preciso saber do que se trata'. Ele dizia que eram coisas íntimas. Eu afirmei: 'Olha, isso não é material que o Estado use, se tiver esse tipo de coisa, eu garanto a você que não sai. Agora, o resto eu vou ver'. De fato tinha tinha umas coisas mais pormenorizadas sobre as farras que nós tiramos. O resto, publicamos. (grifo meu) E aí deu no que deu. Para meu supremo desgosto, porque acho que o Brasil perdeu enormemente com a saída dele. Não é o senhor Mantega que vai segurar isso aí."

Do exposto, achei que faltaram duas perguntas ao nobre sr. Mesquitão.

Primeira: como é que alguém invoca direito à intimidade quando o assunto em pauta é suruba - no caso, paga com dinheiro público?

Segunda: pormenorizada, a farra nos deixaria mais ou menos revoltados que já estamos?

Saturday, June 03, 2006

Coleguinhas presidentes

O jovem tenente teve de vir ao Rio de Janeiro para enfrentar processo na temida Justiça Militar por, juntamente com colegas de caserna, ter participado de uma ação revolucionária frustrada pelas autoridades vigentes. Orgulhoso demais para pedir socorro ao pai, decidiu virar-se escrevendo colaborações para o jornal O Imparcial. Paralelamente, achou que poderia tirar um trocado extra contando aos moradores da minúscula Taquari, onde nascera, como era a vida de um rapaz de 23 anos na capital federal. Tornou-se titular da coluna Coisas do Rio, em O Taquariense. Acabou inocentado do processo ao fim de um ano e retornou à vida militar.

O nome do jovem tenente?

Arthur da Costa e Silva.

Já na escola secundária, no Liceu, o menino mostrava vocação para a carreira jornalística. Editava o jornal Folha do Estudante. Aos 17, passou num concurso e tornou-se repórter do jornal O Imparcial. Depois de dois anos barra-pesada fazendo cobertura policial, passou a editor do suplemento cultural do jornal, intitulado Letras e Artes. Fundou uma revista chamada A Ilha, trabalhou como redator no Jornal do Dia, Combate, Jornal do Povo, O Estado do Maranhão e colaborou com o Diário de Pernambuco, Correio do Ceará e nas revistas Clã, Ilha, Região e Ceará. Aos 22, publicou seu primeiro livro e candidatou-se a deputado federal. Ficou como suplente, assumindo quando o titular da vaga morreu. Alternou as colaborações com o Jornal do Brasil e as revistas Senhor e O Cruzeiro, até começar a lecionar Direito, no qual se formara. Eleito deputado, abandonou de vez a carreira promissora no jornalismo para se dedicar exclusivamente à política. Continuou escrevendo livros, no entanto, que lhe valeram uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

O nome do menino?

José de Ribamar de Araújo Costa, o José Sarney.

O jovem herdeiro de um dos magnatas das comunicações do Nordeste veio morar no Rio de Janeiro para aprender um pouco sobre a vida na cidade que já era não mais a capital federal, mais ainda assim mantinha-se a principal metrópole do País. Os altos contatos de Papai renderam-lhe uma vaguinha no Jornal do Brasil, durante um de nossos períodos ditatoriais militares. Pela idade, 20 anos, e total falta de experiência em jornalismo, ficou como estagiário, mas chegou a assinar reportagens - coisa que era geralmente reservada aos profissionais. Sentiu um pouco da emoção da rua e Cansou rápido, durou apenas três meses. Saiu para se preparar para o seria a missão de sua vida, que cumpriu dois anos depois: assumir os negócios do pai, seu Arnon.

O nome do jovem herdeiro?

Fernando Affonso Collor de Mello.