Wednesday, September 27, 2006

Le meilleur guitariste de tout les temps

Finalmente conseguimos instalar eletricidade em nossa casa em Indianola. Isso representou, para mim, principalmente, um rádio e um amplificador para a guitarra. O novo som de T-Bone não me saía da cabeça. Por mais que tentasse, não chegava nem perto dele. O mesmo acontecia com Django Reinhardt. Django era um guitarrista cigano belga que conhecia através de um colega do exército cujo navio tinha passado pela França; ele chegou dizendo que conhecera um músico fantástico.

Esteve no Hot Club de Paris, onde Django estava se apresentando com o violinista Stephane Grapelli. Meu amigo trouxe alguns discos - aqueles 78 rotações grandes e fáceis de quebrar - embrulhados em papel de seda como se fossem jóias preciosas (e eram mesmo). Quando chegou no Mississippi, ele me mostrou. Eu não acreditei no que estava ouvindo.

Mais tarde, li que Django queimou dois dedos da mão esquerda em um incêndio de sua caravana. Esses dedos queimados se colaram no terceiro por uma membrana, de modo que lhe sobravam apenas dois dedos livres. As pessoas o chamavam de “Relâmpago de Três Dedos”, e era mesmo. Ele me pegou com a mesma força de Charlie Christian. Django era um mundo novo. Ele e Grapelli zuniam como demônios. A cadência era só o começo.

As idéias de Django eram o que mais me surpreendia. Ele era livre, leve e veloz como o mais veloz dos trompetes, escorregadio como o mais liso dos clarinetes, corrias pelas cordas com a rapidez de um velocista e a imaginação de um poeta. Era ligeiro como um gato. Músicas como “Nuages” e “Nocturne” me tiravam da minha casa em Indiana e me transportavam pelo oceano até Paris, onde as pessoas bebiam vinho imersas no jazz mais romântico que este mundo já ouvira.

Eu amava a alegria e a leveza da música de Django sua liberdade de fazer o que sentia. Estava na cara que se tratava de um cigano. Sua guitarra era tremendamente sensual, sua atitude do tipo nada-pode-me-deter, inspiradora. Pouco me importava que fosse um milhão de vezes melhor do que eu tecnicamente. Sua música fortalecia uma idéia acariciada em meu coração - a guitarra é uma voz como outra qualquer. A guitarra é um milagre. As cordas e os trastos revelam a personalidade de um ser humano único, seja um cego do Texas ou um cigano da Bélgica.


Riley "Blues Boy" King, em “B.B. King - Corpo e alma do Blues” (Editora Ática, 1998)

Wednesday, September 06, 2006

Inscrição sobre o Grande Portão da Abadia de Thelema

Afastai-vos, hipócritas carolas;
Não entreis, monges sujos, preguiçosos,
Do que os godos mais vis, e gabarolas;
Não achareis aqui tolos ou tolas;
Aqui não entram rufiões e ociosos.
Afastai-vos, farsantes, mentirosos;
Ide pregar além vossas patranhas,
Ide usar mais além as artimanhas.

Os vossos abusos
Tornaram-se em usos
De pura abusão,
E eis que então
Se mostram difusos
Os vossos abusos.

Vós que explorais os autores e os réus,
Afastai-vos daqui, falsos juristas,
Traficantes, escribas, fariseus,
Que lesais os sabidos e os sandeus,
Com autos, citações, liças e listas,
Estendendo os processos; chicanistas,
Afastai-vos, livrando-nos assim
Das demandas inúteis e sem fim.
Processos e pleitos.

São feitos, desfeitos,
Sem lucro nenhum
Para cada um.
Não trazem proveitos
Processos e pleitos.

Afastai-vos, malditos usurários,
Malsãos adoradores do dinheiro,
Que, com muita má fé e embustes vários,
O ouro acumulai, vis onzenários,
Furtando, de janeiro até janeiro,
O que luta e trabalha o ano inteiro,
Tão vorazes, e magros como um galgo,
E só depois de mortos valeis algo.

Não é vossa face
Humana, não faz-se
Humana a ninguém.
Sois ricos, porém,
Humana e ferace
Não é vossa face.

Não entreis, não entreis, velhos mastins,
Que alimentais os ódios, rancorosos,
Nem vós, insufladores de motins,
Que sois das feras vis meros afins,
Insensíveis, covardes invejosos,
Cegos pela ambição ambiciosos.
Com os lobos ide o ódio saciar,
Não desonreis com o ódio este lugar.

O ódio aqui não cabe,
Tudo aqui se acabe
Que do ódio vem,
A ira não convêm,
Pois como se sabe,
O ódio aqui não cabe.

A porta está aberta, é só entrar;
Sede bem-vindos, nobres cavaleiros.
Aqui é vossa casa, este lugar
Há de sempre acolher-vos, abrigar
Os joviais, os bons, os justiceiros;
Aqui são todos francos companheiros,
E se cultivam o entusiasmo e a calma,
A alegria do corpo e a paz da alma.

Reina a amizade,
O mal não há de
Aqui entrar;
É o nosso lar,
Nele em verdade
Reina a amizade.

Entrai, entrai, ó vós que o Evangelho
Com bom senso e verdade anunciais;
Aqui tereis refúgio, honra e conselho,
Proteção contra o erro, ou novo ou velho,
E separados não sereis jamais
Da fé sincera, dessa fé que amais.
Não entra aqui, não fala, não encanta
O inimigo da palavra santa.

O verbo sagrado
Não fica calado
Aqui nesta casa.
Tem vozes, tem asa,
E voa, e é falado
O verbo sagrado.

Entrai, nobres damas da alta linhagem,
Aqui vos esperais virtudes e ventura.
Entrai, belas damas de grande coragem,
Entrai, e encontrareis nessa viagem
Um porto amigo, abrigo à vossa altura,
Uma angra tranqüila e bem segura.
Nobres damas entrai, aqui tereis
O que bem desejais e mereceis.

A vida é suave
Qual canto de ave,
Nem pranto nem dor,
Mas hinos de amor
Quais cantos de ave.
A vida é suave.


François Rabelais, Gargantua et Pantagruel, 1543. Traduzido do original em francês por Rubens Bulad, Shakta Ádynátha Amánáska, 947 '.', disponível em http://www.amrit.com.br