Monday, July 23, 2007

Instrutor de magia de Raul Seixas e Paulo Coelho foi investigado por tráfico

O professor de inglês Marcelo Ramos Motta tinha 45 anos na ocasião de sua passagem pela polícia nos anos da ditadura militar. Motta, no entanto, não foi preso por sua ligação com o movimento de cunho libertário idealizado pelo inglês Edward Alexander “Aleister” Crowley e abraçado por Raul Seixas e Paulo Coelho – seus pupilos mais famosos, que tiveram problemas sérios com a polícia política. Sequer chegou a ser preso, aliás. A investigação sobre ele durou quase um mês, sem lances emocionantes ou noites no xadrez, foi conduzida pela Delegacia de Entorpecentes (DPE), não pela temida Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), e nada tinha a ver com magia ou correntes filosóficas.

Para a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Guanabara, Motta era um ilustre desconhecido até que o Departamento Geral de Investigações (DGIE), recebesse as informações materializadas no ofício SSP nº 12.594, datado de 12 de novembro de 1976, em papel que traz o timbre CONFIDENCIAL na borda inferior. Nele, o delegado José Nicanor de Almeida, então diretor-geral do DGIE, informa que, no dia anterior, o departamento recebera a informação de que o cidadão Marcelo Ramos Motta traficava drogas e aliciava adolescentes para o sexo através do vício:

Este DEPARTAMENTO GERAL recebeu e retransmite o seguinte informe:

MARCELO RAMOS MOTTA, professor da Cultura Inglesa, filiais Tijuca e Madureira, seria traficante de entorpecentes. O nominado é proprietário do auto marca Opala, placa PV 60-06.

- Duas estudantes, do citado estabelecimento de ensino, LILIAN e VERA, foram levadas ao vício pelo citado professor.

- Armazena no apartamento onde reside, na rua Saint Roman, nº 259/102, SUBSTÂNCIA TÓXICA, inclusive LSD, dentro de um cofre, podendo ser encontrado, ainda, atrás de uma estante.

- Geralmente, as iniciadas no vício, são possuídas pelo professor.


A denúncia era precisa quanto a nome, profissão, endereço e até marca e placa do veículo de Motta. Na Divisão de Arquivos, para onde foi despachado por Almeida, o documento foi metamorfoseado no Informe nº 03988 DARQ/DGIE, também confidencial, encaminhado com urgência pelo diretor-geral do Departamento Geral de Polícia Civil (DGPC), delegado Sérgio Rodrigues, à DPE. Lá, a missão recaiu sobre o delegado Valterson Alves Botelho.

No dia 6 de dezembro, Motta teve seu apartamento em Copacabana visitado por agentes do DPE, que, munidos de mandado de busca e apreensão – formalidade freqüentemente dispensada naqueles tempos – vasculharam-no em busca de qualquer indício traços de substâncias tóxicas. Não acharam. Nada de LSD dentro de cofre, nem atrás de estante. Os agentes o convidaram a prestar esclarecimentos sobre aquela situação, no dia seguinte, perante o delegado. Retornaram decepcionados à base, supõe-se.

O auto de qualificação de Marcelo Ramos Motta, lavrado pelo escrivão Valter Nogueira nessa visita à DPE, informa que este era filho de Samuel Catarino Motta e Elzira Ramos Catarino Motta, brasileiro, natural do RJ, nascido em 27 de junho de 1931, branco, sexo masculino, professor de inglês da Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa, sabia ler e escrever.

Os investigadores Osvaldo David Ribeiro e Evaldo Nunes Viana assistiam o interrogatório e serviam de testemunhas. O delegado começou circundando o assunto principal. Perguntou há quanto tempo Motta ensinava na Cultura Inglesa. Começara, respondeu o depoente, na filial da Tijuca há dois anos e, naquele ano, conseguira uma vaga na filial de Madureira. O professor confirmou conhecer as alunas Lílian e Vera, duas colegas de turma na filial de Madureira, que já não estavam mais sob seus cuidados acadêmicos.

Sobre Vera, nada mais disse. Sobre Lílian, no entanto, Motta falou bem mais em seu Termo de Declarações: que ela fora três vezes a seu apartamento, mas não houvera qualquer relação sexual, “normal ou anormal”. Beijaram-se e trocaram carícias, apenas. Disse que como ela tinha apenas “dezessete anos e meio”, não lhe oferecera bebidas alcoólicas. Também negou ter oferecido qualquer tipo de droga, mas confessou, com perigosa sinceridade:

Que durante o período em que viveu nos Estados Unidos, oito anos e meio, ali usou, por medida de estudo dos efeitos mentais, de maconha e de cocaína, mas nunca usou tais drogas habitualmente; que jamais fez qualquer outra experiência com drogas entorpecentes depois que retornou ao Brasil; que inclusive, nunca escondeu de seus conhecidos as experiências aludidas

Quando o delegado Botelho perguntou-lhe a que atribuía a denúncia que fora feita contra si, Motta não titubeou:

– Em razão de minha religião, visto que já registrei uma sociedade místico-maçônica, estando procurando novos membros, o que, por certo, causa irritação a outras organizações religiosas análogas. Sou também completamente anti-comunista e anti-extrema-direita.

Por fim, ele acrescentou que chegou a ser detido em Baton Rouge, na Louisiana, por porte de maconha, mas a acusação não ficou comprovada e não houve processo. Achando ter ouvido o suficiente, o delegado encerrou o depoimento.

Três dias depois, 10 de dezembro, Valterson Alves Botelho concluiu, em relatório reservado ao titular da DPE (cujo nome não é citado no documento), que “nada ficou apurado quanto a ser o nacional Marcelo Ramos Motta traficante ou ter na sua posse substâncias entorpecentes”.

No documento, o delegado narra as inconsistências na denúncia, como a não-existência do cofre ou do contato extra-escolar de Vera com Motta. Menciona que as duas – identificadas como Lílian do Nascimento de Barros e Vera Lúcia Moreira de Souza – foram entrevistadas e negaram que tivessem sido “levadas ao vício”. Botelho encerra o relatório ressaltando que as buscas no apartamento e no Opala de Motta também foram infrutíferas, e despede-se com um seco “Nada mais”.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

;-)*

6:06 PM  
Anonymous Anonymous said...

;-)*

6:07 PM  

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