Wednesday, June 21, 2006

Lei do retorno

Corroída por dívidas provocadas por anos de má gestão e falcatruas, debatendo-se como afogada no processo judicial de recuperação que pode resultar na decretação de falência, a Varig agora terá suas linhas fatiadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) entre a concorrentes Tam, Gol e BRA. Dividirão a carcaça obedecendo à lei da selva aplicada aos negócios; a mais forte fica com o melhor naco.

Teve melhor sorte que a companhia aérea que canibalizou para expandir suas atividades, a Panair do Brasil. Menos de um ano depois do Golpe de 1º de Abril de 64, despacho assinado pelo então ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Eduardo Gomes, cortou as asas da empresa. Curioso que no imaginário popular formatado pelos jornalões, a Panair tenha simplesmente "ido à falência".

Que os colegas de teclado tenham ganas de praticar um pouquinho de revisionismo jornalístico, vá lá, mas brigar com os fatos é feio. Entre as aéreas brasileiras, a Panair era a que menos devia ao governo, e sua situação estava longe de "insustentável" como alegava o documento do glorioso patrono das nossas forças aéreas, bastião da democracia entre os milicos.

A cassação da licença da Panair para voar foi a manobra dos militares para detonar dois desafetos importantes - os empresários Celso da Rocha Miranda, amigo de JK, e Mário Wallace Simonsen, amigo de Jango - e dar uma colher de chá para o conterrâneo gaúcho Ruben Berta. Horas depois do despacho de Gomes, o presidente da Varig orgulhosamente garantia que tinha os aviões necessários para cumprir as rotas para Europa e Oriente Médio.

Os donos da Panair bem que tentaram, judicialmente, mostrar que havia jeito para salvar a companhia. Em vão. Na briga nos tribunais, só não valeu dedo no olho. Como os militares tinham o Judiciário nas mãos, não foi difícil arranjar magistrados dispostos a ignorar todos os argumentos em favor da empresa e sepultar logo aquele processo enfadonho.

O caso é relatado em detalhes pelo jornalista paulista Daniel Leb Sasaki, em "Pouso Forçado: a verdadeira história da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar", Editora Record, 2005.

Karma is a bitch, como dizem os estadunidenses.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Seu texto me emocionou. Sou sobrinha de um ex-funcionário da Panair que até hoje não sabe como aquela tragédia pode acontecer. Só restou a ele e os antigos colegas ir pros almoços que a Panair faz todo ano. Obrigada pelo texto!!

10:44 PM  
Blogger Marcio Beck said...

cara Cláudia, comentários como o seu são a melhor recompensa pelo trabalho que esses textos dão, eu é que agradeço. Recomendo a leitura do Daniel Sasaki.

5:40 AM  
Anonymous Anonymous said...

li hoje uma reportagem sobre esse livro na Folha de são paulo e cheguei no seu site. Seus textos são super legais. Bjo! Ana Paula.

11:52 AM  

Post a Comment

<< Home