Monday, August 14, 2006

Bolas da vez

Tal qual uma Brigada dos Mártires do Capão Redondo, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) planejou e executou a ação mais ousada contra um jornalista no exercício da profissão no Brasil, desde a tortura e o assassinato de Tim Lopes por traficantes do Comando Vermelho, em 2002: o seqüestro do repórter da TV Globo Guilherme Portanova. Salta às vistas por ter sido crime premeditado e continuado, com risco significativamente superior à pistolagem que costuma vitimar os jornalistas brasileiros mais combativos.

O puro e simples assassinato de jornalistas, vamos combinar, já é praxe por aqui. E invariavelmente fica impune, para deleite dos vilões - Troféu Pena Branca para o colega que conseguir lembrar o nome de um matador condenado de jornalista que não seja Elias Maluco. A violência contra os profissionais da imprensa é uma instituição brasileira, sustentáculo da nossa democracia, tão vital quanto o nepotismo e o tráfico de influência. Só que, até bem recentemente na nossa história, foi instrumento exclusivo de caciques políticos e potentados econômicos.

Que seria do País, afinal, se esses jornalistas pudessem falar qualquer verdade apurada e verificada exaustivamente que lhes desse na telha, sem qualquer limitação? O caos, é óbvio.

Causou choque a audácia da bandidagem rasteira em empregar técnicas mais sofisticadas que a dos patrões, e ainda por cima com objetivo de atrair atenções para a causa dos miseráveis revoltados. Sem querer parecer ave de mau agouro, mas que dirão os nobres cronistas então, quando se aperceberem que a tendência é piorar, e muito? Quando as duas principais facções criminosas do país não se constrangem mais em eliminar repórteres incômodos e usá-los como peões no jogo de empurra contra as autoridades constituídas, que se pode concluir exceto que eles deixaram de nos considerar neutros no jogo?

Não é segredo nenhum que até meados da década de 1960, pelo menos, boa parte dos repórteres de polícia do Rio dividiam seu expediente profissional entre as redações e as delegacias. Estrela de O Cruzeiro, David Nasser pranteou emocionadamente a morte do patrono do Esquadrão da Morte, o inspetor Milton Le Cocq de Oliveira, e o repórter da Última Hora Amado Ribeiro, arquétipo do jornalista canalha na obra de Nélson Rodrigues, participou, de revólver em punho, da execução do bandido Manuel Moreira, o Cara de Cavalo, que teria assassinado o policial em 1964.

Na década de 1970, não melhorou muito. Os rapazes que hoje espalham o terror por São Paulo, aliás, podem ter crescido ouvindo Afanásio Jazadji e seus seguidores louvarem as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), cujas caminhonetes Veraneio de cor cinza se tornaram temidas na periferia paulista. Enquanto os bandidos de lá tombavam como moscas, em meio a centenas e talvez milhares de inocentes, germinava no Rio a revolução carcerária que tornaria possível toda a grita do PCC: a revolução da Falange Vermelha na Penitenciária Cândido Mendes, na Ilha Grande, em 1979.

Atacada pelo frisson da novidade, a imprensa cobriu intensamente os primeiros passos do Comando Vermelho, no começo dos anos 1980. Não demorou muito, os fuzis começaram a se tornar figurinhas fáceis nos tiroteios deflagrados nas favelas cariocas e acompanhar uma operação policial passou a representar perigo real e imediato à segurança das equipes de reportagem. A imprensa antes participativa e presente abandonou os morros e passou a cobrir os rotineiros confrontos à bala quase exclusivamente com base em relatos dos policiais. Necessária a ressalva, claro, de que o modus operandi não é adotado pela totalidade dos encarregados de cobrir a área, e as exceções são bastante conhecidas.

No Rio, onde a aclamação dos grupos de extermínio é tamanha que um delegado da Polícia Civil foi eleito deputado estadual tendo como plataforma o mote "Bandido bom é bandido morto", o jornalista/showman Carlos Alborghetti e outros encarregavam-se de derramar elogios aos policiais que cumpriam a nobre missão de varrer o "lixo da sociedade". No momento em que os traficantes passaram a ter apontadas para si, além das armas dos policiais, as microcâmeras das redes de televisão, o caldo entornou. Agora, para todos os efeitos, somos parceiros fiéis das autoridades que os torturam, encarceram e matam.

Mas tudo bem... tapemos o sol com a peneira e tachemos esses bandidos de animais descerebrados, facínoras. Vamos nos recusar também a reconhecer a capacidade de articulação deles, ora, onde já se viu desdentados e semi-analfabetos sendo considerados "organizados"? Podemos ainda acusá-los de nem serem originais.

Em 22 de janeiro de 2005, a Frente 34 das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) seqüestrou o fotógrafo Hernán Etcheverri Arboleda, do jornal Urabá Hoy. Primeiro, pediram US$ 128 mil dólares de resgate. Depois, afirmaram que se contentariam com a divulgação pública de um comunicado do grupo criticando os excessos das autoridades da região de Antioquia. Passou três meses preso, foi libertado em 18 de abril. O que significa isso? Para bom entendedor, pingo é letra.

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